Por Paulo Assis
No ano de 1969, William Ramos Abdalla foi convidado a projetar uma residência para sua irmã e família, em um terreno instigante: localizado aos pés da Serra do Curral e às margens da Praça do Papa.
A leveza do bloco de concreto e sua relação intima com a Serra direcionaram o partido arquitetônico do edifício, que inicialmente era composto por dois grandes balanços estruturados por quatro esbeltos pilares, coroados por uma cobertura em paraboloides hiperbólicos, marco da obra de Abdalla. Porém, a complexidade estrutural trouxe a necessidade da alteração da volumetria, que ganhou sua forma final após as palavras da cliente, poeta, expressou com o movimento em arcos de seus braços o desejo em trazer a montanha para a casa – surgem daí os grandes arcos em concreto aparente que trazem a leveza à implantação da residência.
O eixo visual casa com o eixo ambiental, respectivamente, tendo suas aberturas nas fachadas NORTE/SUL e opacidade nas LESTE/OESTE, esta ultima recebendo o volume vertical de circulação.
Ao soltar o edifício do terreno, William cria um pilotis aberto que garante o caráter escultórico à edificação, além de permitir a fluidez do espaço e da paisagem. O térreo abriga a garagem, entrada principal, serviços, área de lazer e piscina, além do acesso ao subsolo, onde encontramos um amplo ateliê e pátio.
O arquiteto não se prende à modulação dos pórticos da estrutura para compor o interior, mas lança mão do conceito de planta livre para setorizar o projeto. Desvinculada, a estrutura permitiu maior flexibilidade de espaço, de forma que as superfícies de vedação cumprem não só esta função, mas também protegem o interior contra insolações indesejadas.
As áreas sociais e de cocção, no primeiro pavimento, são marcadas pela horizontalidade e presença constante da paisagem, emoldurada pelos pilares, pisos em imbuia e forro em pinho-de-riga cuidadosamente desenhados pelo arquiteto. Os diversos níveis criados entre os ambientes dramatizam e eliminam a obviedade do percurso, característica que se repete pela área intima, no segundo pavimento.
O concreto armado convencional foi o sistema estrutural eleito para a obra, onde vigas e pilares sustentam a laje em grelha também em concreto armado, com nervuras aparentes em todos os pavimentos superiores. A estrutura em grelha libera os espaços internos pela natural demanda de apoios periféricos. A plasticidade do concreto foi explorada por William, que projetou a estrutura explicita a edificação, que emoldura o volume interno predominante na composição. O recuo deste volume e o abarcamento pelos pórticos ajudam a suavizar o calor nas faces da residência.
As mísulas horizontais conectam as lajes em grelha aos pilares, de modo que este recuo gere um contraste de brilho e sombra, o que confere um caráter barroco às vigas superiores, em formas de arcos de seções côncavas e variáveis. A cobertura sombreando o volume do voo geométrico predominou, assim, o que foi o voo se transformou em pouso geométrico.
William opta pela distinção entre elementos portantes e de vedação, privilegiando claramente as faces do edifício, onde sobressaem os elementos estruturais. Nas fachadas norte e sul, o arquiteto lança mão de grande planos de vidro, se opondo às fachadas leste e oeste, onde grandes planos de vedação opaca se intercalam com feixes de luz natural, garantindo privacidade ao interior da residência.
A fachada oeste é contornada por muros de pedras e o gradil sinuoso, presente em várias obras do arquiteto, resguardam o jardim, onde a área gramada marca a transição entre público e privado. A edificação se destaca da paisagem através do uso de diversos materiais e texturas, predominando a interação entre transparência e planos opacos, revelando que a simplicidade do programa não limitou a liberdade de criação, que resultou em espaços dramáticos, fluidos e funcionais.
Paulo Assis é Arquiteto Urbanista graduado pela Faculdade de Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), e sócio diretor do escritório Hub Arquitetos.
- Ano: 1974